segunda-feira, 29 de março de 2010

Loucura


Bela é esta noite, tem tudo para ser perfeita. Estrelas cintilam sem timidez, a lua atinge o máximo da sua plenitude e demonstra, sem receio, todo o seu esplendor, no seu grande brilho provido do sol. O ar é quente, mas não é sufocante; é tão misto de emoções, tão suave e tão atenuador. O mar está calmo, não se mexe, apenas se ouve baixinho os seus sussurros e as lamentações e, juntamente, as histórias que foram-lhe contadas e partilhadas ao longo dos anos, das gerações e do mundo. Carrego apenas uma carta, que fora escrita aquando não estava sozinho, graças a uma garrafa de vinho que segurava e que se ia esgotando a cada 10 passos na estrada. Tiro-a do sobretudo, e todo o brilho, a magnificência da luz da lua e toda as suas memórias voltava-se para mim, como se eu fosse iniciar um monólogo no meio de um palco mas, desta vez, estava sem público.


"Será agora?" - Pergunto-me eu, já com a carta na mão, evitando-a desembrulhar. Podia ser naquela noite que libertava e ganhava a coragem para te ligar, para te falar, para te escrever. - "Não, não é esta noite"


Sento-me à beira da água, mantendo distância para ela não me molhar e olho mais uma vez para aquelas folhas de papel. Mesmo sem ter ido para o mar ou uma onda me chegar, elas já estavam molhadas. Estavam molhadas das lágrimas que me escorriam pelo meu rosto de expressão obscura, cansado e calmo. Não estava triste nem feliz, não eram lágrimas de felicidade nem de tristeza. Eram lágrimas 'secas', secas de sentimento, vivências ou de amor. Era só água salgada sem qualquer importância. 

"Olá minha querida. Sou eu mais uma vez, aquele que ficou à tua espera, do outro lado da rua, sentado na calçada gélida e lisa que atravessava toda a estrada em frente do teu abrigo, naquele em que te escondias e defendias das ofensas, da perversão e da culpa que atinge este nosso mundo. Sou eu, sou eu aquele que te esticava a mão para te agarrares a mim e que te sorria para não sentires medo. A verdade, é que sentias isso, tremias de me ver, mas não hesitavas em olhar para mim mas nunca nos olhos. Eu continuava sereno à tua espera, só me indo embora à noite, quando entravas nos teus sonhos, nos quais eu podia ou não fazer parte deles, podendo-os transformar em pesadelos. Não queria ser recordado assim, sendo eu a pessoa que te fazia acordar em sobressalto no meio do teu belo sono, o único momento do dia em que tu devias estar protegida e munida de todo o mal à tua volta. No outro dia, lá estava eu, sentado no mesmo sítio, na mesma posição, a olhar para ti, a sorrir para ti e a esticar-te a mão. Desta vez falei-te: 'Esquece os males, esvazia a tua Vida e deixa-me encaixar-me na nova que vais tomar. Também eu já levei com tudo de pior no que devia ser bom nesta Vida. Já passei e já me escondi também dos outros que me esticavam a mão, olhando para mim com a calma estampada no rosto. Também eu já estive no chão, já fui violentamente agredido pelo horror, terror e dor; Já me bateram até quase não respirar, já me espetaram tantas coisas mais afiadas do que facas e que magoavam ainda mais. Nem a morte fazia apagar as nódoas negras e todo o susto e a maldição que lançaram sobre o meu ser frágil e fraco. Mas consegui tal como tu irás conseguir, tal como tu também passarás por este mal e conseguirás ultrapassar a maldade existente e também tu conseguirás confiar em mim. Pelo menos olha-me nos olhos e vê que eu não estou a mentir; se não vires, ao menos sente toda a força que te quero transmitir. Quero-te salvar de toda essa agonia e mágoa em que te fechaste. As coisas mudam e tu podes mudar e eu serei, neste momento quem te pode trazer ao antigo estado que era tão habitual em ti. Quem sou eu? Sou um conhecido e um estranho. Sou tão familiar e tu conheces-me tão bem. Mas agora quero ser um estranho e é por isso que não sabes quem sou e tens medo de me seguir. Mas, e se eu te dissesse que tenho em mim o poder para te fazer voar por entre aquilo que desejas e tenho o poder de fazer tornar real aquilo que queres agora? Que tenho em mim a Vida que desejas, a União de que necessitas e a Felicidade que nunca havia sido encontrada? Agora queres vir comigo? Quero tomar posse do teu olhar esbelto e mergulhado pelo mar; quero tomar posse do teu rosto transtornado e transformado pelo que pior tem o mundo. Quero que te entregues a mim agora e vou-te perdoar por tudo o que fizeste, pelo que te tornaste agora e pê-lo tempo que demoraste a chegar. Não tens culpa, nem tu nem eu, quem a tem, só o horror que te mudou para o teu recente estado. Esse eu não perdoo, nem que ele prometa nunca mais te aterrorizar. A esse, eu quero matá-lo, torturá-lo e sufocá-lo por tudo o que ele te fez. Mas não estou aqui por causa dela mas de ti. De ti e de mim... Estou doente, doente de Amor, que me já trouxe ao desespero e que me vêm assombrando noite após noite. Vejo o teu nome em todo o lado, repetida em todo o lado para que me viro. Estou louco e tu, és a minha cura. És aquela que trará neste momento a Paz ao meu mundo tão negro, obscuro e terrivelmente sinistro. Tenho medo mas tu podes-me salvar. Não sabes, mas somos o herói um do outro. És a droga que me faz bem e são as memórias de ti que me fazem alucinar e voar. Estou cego, estou quase morto pelo que me fazes. Mas que morra depressa, porque nesse momento sei que já estás comigo"


Meto outra vez a carta no bolso; Não te disse nada, apenas a li para a noite maravilhosa, com a esperança de que o vento leve as minhas palavras até aos teus ouvidos:


"Dorme bem meu amor, estarei aqui para sempre"




Desculpa por tudo o que se passou minha pequena, a sério. Desculpa por tudo

2 comentários:

  1. Fiquei sem palavras.... Juro que nem sei o que te diga.
    A forma forte como escreveste, como passaste para as palavras os teus sentimentos, como nos deste a conhecer tão bem essa confusão que te invade - decorrente da incapacidade de "a" salvares, de "a" livrares dos medos que a atormentam, que a aterrorizam....
    Um texto forte, sentido, bom.
    Gostei muito Márcio.

    "Não estava triste nem feliz, não eram lágrimas de felicidade nem de tristeza. Eram lágrimas 'secas', secas de sentimento, vivências ou de amor. Era só água salgada sem qualquer importância."
    Todas as lágrimas são importantes, temos apenas que perceber o motivo porque existem.....

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  2. Fico deliciada com os teus comentários, a sério que fico. Em todos eles me transmites força e calma, em todos eles me dás um novo alento.... Obrigada.
    E talvez tenhas razão quando dizes que amor é união. O problema é quando os laços não são capazes de perdurar quando existe uma separação.
    Agradeço-te todo o teu apoio, acredita que é importante haver quem nos compreenda assim....

    Adorei uma frase tua: O amor verdadeiro é algo que não anda perdido, apenas escondido e que deseja ser encontrado.

    Estou aqui para o que precisares :)
    Um beijinho

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